quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sobre escrever, mas mais sobre viver.

Para contrariar o chamado bloqueio do escritor, há que apelar à coragem do escritor. A coragem para expor as conversas que tem entre si e si mesmo, dispondo-se a dar-se ao despropósito de se expor sem beleza ou sem tocar alguém. A coragem de ser confundido com um miudo à procura de atenção usando uma série de palavras pretensiosas.

Hoje em dia, a facilidade com que qualquer pessoa pode atrair atenção, das mais variadas formas, é impressionante. Mas não me parece que a quantidade de pessoas que se podem atrair a uma foto, a um título, etc., seja a medida indicadora da qualidade do que se está a oferecer...

O que imediatamente atrai um grande número de pessoas, despertando nelas uma resposta quase automática de identificação, é conhecido de todos, é a base do jornalismo, é a base da fast-food, é a base de todos os vícios e de todas as obsessões. 

A qualidade do que se dá, nomeadamente pela escrita, penso que pode ser medida exactamente pela capacidade de interromper os automatismos em que nos entregamos diariamente, pela capacidade de fazer parar e eventualmente de fazer mudar...

Para que isto aconteça é necessário, precisamente, não se ser apenas o miúdo tímido a procura de se afirmar ou a rapariga insegura a procura de se recriar.
É preciso ter a alma acordada no quotidiano, é preciso sonhar-se em possuir tal liberdade e sobretudo sonhar-se partilha-la.

O que é a alma? Para mim, que não sou uma profunda estudiosa do assunto, é o ingrediente que nos torna capazes de responder a uma situação critica com altruísmo e criatividade. É o instrumento capaz de transformar o instinto de sobrevivência na arte de viver. É aquilo que nos falta nos dias em sentimos que há qualquer coisa indefinida que falta.

E se o escritor, não o que quer alguma atenção, nem o que quer sobreviver ou enriquecer pelas palavras, o escritor que quer ser uma gota no rio vivo e cristalino da mudança, se desencoraja porque "já foi tudo escrito" o antídoto está bem acessível também. É fácil perceber que a maioria das emoções que pairam na experiência humana são em segunda mão. Morrer, casar, amar,  ter um filho, começar ou acabar um projecto, decidir qualquer uma destas coisas, são situações para as quais existem uma série de protocolos informais sobre como reagir, o que sentir, um conjunto de reacções e emoções transmitidas nos livros, nos filmes e nos pares.

Escrever sobre algo novo é tão simples como permitir-se viver qualquer situação com a coragem e a humildade de a permitir ser única, pessoal e subjetiva. Mesmo que isso implique não ser tão exuberante ou estridente como só um postiço pode ser, mesmo que isso implique viver emoções devastadoras e revigorantes como só a verdade pode ser. 

Eu surpreendo-me muito nas coisas comuns, porque parto da não expectativa da não colagem. Procuro estabelecer antes de mais a simplicidade e depois deixo que nessa estrada entrem as emoções que livremente a quiserem percorrer. É assim que se pode relatar uma experiência sem a impôr, sem hiperbolizar, sem comparar. Ao tomar assim a experiência de forma livre, única e minha, posso oferecê-la para inspirar, para libertar. 




terça-feira, 26 de junho de 2012

Para ser grande, sê inteiro. (E assim fiz)



Absorvo o granito aquecido,
Envolve-me o calor exacto.
Paira um sol de fim de tarde,
Caindo sobre o dia como uma pena no ar.

Reina o sossego,
Majestoso é o manto da mansidão.
Deixamo-nos despojados e inteiros,
Venerados pelo harmonioso desassossego das aves.

Voam os livres,
sob o céu que proclama a ascensão.
Sabendo que regresso,
venço a breve relutância em soltar.

Chama-me um dia,
para que fique,
e seja para sempre.

Chama-me uma vez,
que seja derradeira.
Ou desce tu a mim, para que abrace como a ti,
a vida inteira.

Surge muito, surge mais, surge sempre,
em mim, nos que sabem e nos que não.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Santa Chuva





Sob esta luz, a chuva ilumina qualquer alma.
O Paraíso, afinal, também pode ser chuvoso.


Música para acompanhar:

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Uma rua aconchegada


O sol é de Inverno, o calor inesperado. Uma senhora sobe as escadas ao ritmo que a idade abrandou, o cão segue dois degraus à frente e pára, igualmente cansado, ou para desfrutar do calor. A senhora acaricia o cão, na intimidade branca da escadaria da casa. O sol quente, a escada íngreme, o cão fiel e a senhora cansada. Parados. Eu passo, invadindo, camuflada de transeunte. Retenho este quadro, projectado na parede rosa. Sorvo o carinho que partilharam. Não sei é minha ou deles a paz e a alegria que se aconchegaram nesta rua.

domingo, 27 de novembro de 2011

O fogo fala


Não há nada que diga "Fica!" como o fogo, e ainda que nada diga, amarra. Porque lá fora, te aguarda o frio e aqui te guarda o calor? É mais do que isso, é primitivo... Ele não nasceu do fósforo, não pertence à lareira. O fogo nasceu pelo suor das pedras, conheceu os teus pés nus, pousados na terra. Enquanto aquece, hipnotiza-te o corpo, pois também tu és primitivo. Vai lançando lembranças de sobreviver, de proteção,  de carne, de caça. Muito antes do conforto, o fogo faz conversas sobre a vida.

Eu agradeço ouvindo, como se agradeçe a um ancião. Vou respondendo com o olhar, com a ancestralidade que vai sendo devolvida ao meu olhar. Numa invocação marcada por breves estalidos, enfeitada de estrelas ascendentes e dançada por labaredas encantadas. Conversando, queimando, vamos ambos, esmorecendo, companheiros aparentemente efémeros, secretamente eternos, intimamente ligados a um pacto ignorado.


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Mais uma vez

Corre assim tão pouco em mim, que quando mais posso, menos tenho?

Que quanto mais posso fazer-me, menos me tenho?

Corre tão pouco de mim em mim, que quando corro sonho, deliro e conspiro sobre estar parada? E quando por fim paro, adormeço, esqueço e flutuo daqui para ali, e mais nada... Mais nada?!

Há tantos nadas... Há o nada a olhar para o céu, todo meu, toda eu. E há o nada em que toco de tudo, toda ausentada.

Entre um e o outro, a distância entre o ser e o parecer...

Parecer-se com um medo, com um enrredo emprestado. "É mais fácil", é questionável, é sobretudo mais dócil. Daqui para ali, com a voz adaptada, muita voz para pouco dizer ou dizer um pouco demais, desde que já tenha sido dito.

Porque em ser, não há medo ou perder... e quando assim me tenho, vejo-me num mundo que me vê ausente. Perde-me, porque não me tem mão, porque não me tem sob o pé. Aqui, ao longe, é que sou o sol em rota errante, sou-me toda e dou-me consoante. Sorvo da vida o viver, ilumino no mundo o que essa vida quiser.

Sendo abrupta a diferença, onde encontra guarida a desculpa, a justificação de se ir roubando e amestrando o coração? Onde se esconde o delirio de rejeitar a vida que vem oferecida e vem de dentro, para pagar caro para só sobreviver? (Provavelmente na razão, a razão é bem capaz de ser trono de qualquer loucura). 

Conhecer a luz dos olhos é saborear essa diferença com a alma. O que a liga, o que a desliga.

Ligo-me, sou infinito, desligo-me, para caber onde não se cabe inteiro. Quem teme o inteiro, quem susurra o medo e o impinge?

(Eu.)
Como posso ser ambos e saber e permitir... e admitir. Ligar e desligar.

Admitir que sou eu.
Posso! Posso ser, saber, permitir e admitir. E devo! Para me levar, me retomar, como sou... mais esta vez!






quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Estações e paz

Com o frio, inegavelmente a apoderar-se dos dias, dia-a-dia, vem também uma sensação de aconchego introspectivo. A paz de me vestir mais, de me revestir bem de roupas escuras, onde quase desapareço. Ajudada pelo cabelo igualmente escuro, fica só o rosto, que imagino plácido, iluminado pela cor cinzenta do dia, clareada ao atravessar cortinas brancas de linho.

O tempo está mais frio, mesmo que tenhamos 30 graus ao sol até Novembro. Estas mudanças, despertam-me sempre o lado literário. Sou um escritor das estações, pudera!, a escrita nasceu em mim, no sentido literal e pragmático, à imposição de composições e poesias sobre a Primavera e o Outono. Se também foram sobre o Verão e o Inverno, disso já não me lembro, é bem possível... E sim, sou escritor, porque nem sempre me apetece ser "escritora" nem "poetisa" mas sim poeta.

O frio e o azul marinho, convidaram as palavras a despedirem-se da paz colorida, extrovertida, quente e surpreendentemente confortável para a pele desprotegida. Nessa, havia um sentido do humano como animal, o instinto de inteirar-se do mar, de sujar as unhas com terra, de respirar o mundo pelos poros. E entre tudo isso, acordar com os olhos feridos de luz, sair pela noite para durar, enfim, ser do mundo ao natural, com a mesma entrega de uma árvore, no fruto perfeito, nesses dias de calor denso.

Agora, recebo o que me cobre, me reserva e me separa. Tocada apenas pelo tecido, ao mundo dispenso só o olhar. Um mundo que passa a estar mais reduzido a mim, à memoria que dele faço, ao filme que passa na janela. Cubro tudo e ouço os sonos da minha máquina, o coração e o sangue morno, o respirar e o ar morno. Protejo a fraca combustão que sustenta os 37 graus, sensivelmente.

O combustível, parecem ser estas palavras sossegadas, "olha o frio, diz-lhe que é bem-vindo, que entre, mas não te esqueças, despede-te do que lhe dá lugar, também foi bom". O combustível, parece ser uma mão entrelaçada, e estas palavras sossegadas "ele está aqui, e caíram folhas nestas mãos, chuva, neve, sol e flores nestas mãos entrelaçadas".

Sobrevém sempre a paz, de ser um poeta das estações, de provavelmente ter palavras sempre que elas mudam. Ou então, não ter palavras, mas ter a pele a acordar com o frio incisivo, ou então a dar-lhe o sono do calor impregnado.

Sobrevém ter palavras ou não ter, mas estabelecer também com a sua ausência, um profundo pacto de paz.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Uma pergunta...

Tenho tentado expressar um tema complexo e abrangente de uma forma clara e prática. É um convite a reflectir, não sei se da reflexão irá surgir a mensagem que em mim originou esta pergunta, mas como pode ser bom, vale a pena tentar.


Se não fosse a tv, o cinema, a fotografia, a escrita subjectiva e as palavras subjectivas, quantas vezes não te sentirias melhor na tua pele? Se visses SÓ quem está à tua volta, o que fazem, como interagem contigo, como são naquilo que efectivamente vês. Se fosse só isso, sem noticiários, sem filmes, sem poemas, sem fotos, sem publicidade, sem pessoas que fazem discursos exaltantes da própria vida. Se a roupa fosse só para vestir, os rostos só para comunicar e os carros para transportar. Se visses a vida como ela passa por ti, e não através das criações racionais e artisticas de todos e mais algum. Não era diferente? Não era o teu próprio prazer de viver a tua vida que sobrevinha?

Era... calculo que era, mas vê por ti, porque isto são palavras quase subjectivas, isto é um blogue.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Amar não é Ser Egoísta

Amar não é Ser Egoísta


Tenho a certeza que tu és o meu maior amigo, o mais dedicado, o melhor de todos. Como eu o vi hoje bem! Como tu és leal e bom! Tão diferente de todos os outros homens que para te pagar o que no futuro hei-de dever-te, será pequena a minha vida inteira, mesmo que ela seja imensa. Os outros, amando as mulheres, são como os gatos que quando acariciam, é a eles que acariciam. Amar não é ser egoísta, é tantas, tantas vezes o sacrifício de nós próprios! A dedicação de todos os instantes, um interesse sem cálculo, uns cuidados que em pequeninas coisas se revelam e o pensamento constante de fazer a felicidade de quem se ama.







"Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"




Confesso a alegria de me rever nestas palavras, de também o vêr todos os dias, tão bem. Como desejar essa felicidade antes de a conhecer? A angustia que não seria... Desejei algo que vagamente lembra este desejo que se realiza e se deseja continuamente. Desejei algo mais pequeno, mais cinzento e racional, do meio de uma mente cética e um coração saudoso de um amor nunca vivido. Ao ceticismo, chegou, no entanto, a magia, confirmada dia-a-dia, realizada. Fabricando-se uma realidade que vai tocando, cutucando, desfazendo a distância, até ao momento concreto, em que o amor se instala, muito mais poderoso que a dúvida, em posse de toda a clareza, carregando todo o sentido. O amor chegado, faz-se notar, como uma doce densidade, sob a inegável existência do que é verdadeiro. Porque o que "É" é-o por inteiro, puramente, coerentemente, sem pedir contas, sem as prestar, esclarece-se por si mesmo, é conhecido sem palavras a mais. A vida de amor, faz-se através dele, sem demoras, sem esforço, só em ser, só em deleitar-se. Este espaço entre mim e ti, o espaço onde eu e tu estamos, é a minha mais idílica paisagem. "O meu nome significa o teu, o teu nome significa o meu."

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Um pensamento circular e libertador. Ou seja, Um pensamento circular e linear.

Este parece ser o dia em que não me busco.
Não é que não esteja perdida, mas é que isso não importa.

Saber quem sou, o que devo fazer nesta vida, fazer disso bandeira, são bem vistas as coisas, decididamente, actividades fúteis, inutéis e inutilizadoras. Decididamente, sim!, é coisa a que tem de se põr um ponto final.
A maioria vive, no vão suplicio de se fazer mais. (A outra maioria no vão comodismo de se ter feito mais.)

E tudo o que a suposta e exaustiva busca metafisica de si é afinal: uma fuga ao que se é.  Sendo simultaneamente um impedimento de se ser, e de talvez ver que ser-se, é que finalmente é quanto baste.

(Que se leve um pouco de paz ao que vai dentro.)

domingo, 19 de junho de 2011

Se eu fechar os olhos...

Fechar os olhos é parar,
parar de falar de quem sou
parar de pensar o que penso que sou.

Fechar os olhos é comer uma banana e depois um bombom
É seguir, é sorrir.
É desafiar o sono, o medo e a morte:
"Vem se me queres, mas vem já! Conto até três e vou dançar."

domingo, 12 de junho de 2011

E se eu fechar olhos?

Falava-lhe quase todos os dias e todos os dias passava por ela, porque queria. Sabia sempre onde a encontrar, à custa das rotinas que lhe fui descobrindo. Estabelecia pequenas rotinas, que lhe moldavam os dias e lhe assentavam tão bem. Rituais privados, onde cultivava prazeres segredados pelas coisas comuns. Retia-as, como a essência do seu admirável saber viver. Acabei por também aprender a identificar os momentos em que algo magicamente suspenso desce sobre o quotidiano, revelando uma intensa beleza no sabor, na hora, na cor, na humanidade, no que quer que faça despontar o ser. Adicionando essa visão aos dias que decorrem, forma-se um tecido cuja textura e as imagens revelam por fim, um motivo e a uma verdade impronunciáveis. Pelo menos assim o parece, assim o intuo.

Nos meus dias fui sendo encontrada e perdida, fossem os caminhos conhecidos ou não. Perdida inspirava-me, encontrada temia o vazio que vem depois, pelo vão do querer, desalmadamente, conter-me assim. A sua presença, levava-me à possibilidade de um dia ser dona de um equilíbrio desprotegido (ou antes, ser ele dono de mim), tomado como graça entre mãos que não se fecham.

Hoje não estou mais perdida nem mais resignada do que antes. De novo, há o espanto e o desencanto dos dias que passaram a saber sobre mim. Os dias com existência própria e que giram num eixo fixo no tempo, amolando os dias em que eu é que sabia não saber de mim. Aqui retida, sem escolher se também rodo no infinito carrossel ou se me ofereço ao centro de uma guerra minha. A luta ao que consome, pede, pede e pede, insaciavelmente ao homem o que de não humano nele existe.

Alguns papéis são facilmente introduzidos na carcaça de alguns, como único combustível desse corpo de espírito ausente. Outros, como eu, têm de ser previamente esfolados, desmembrados, desventrados e decepados até por fim o ocupante perceber que nada sobra que possa ser usado, nem artificialmente suportado. Nada!, o que quer que sobre é pleno de morte. Tenho o espírito  todo enraizado no corpo para que empreste um sem dar o outro. E assim sendo, a escolha não é minha, mas também a força da luta, terá de ser alheia, porque em mim não se encontra, tenho os músculos atrofiados de uma dieta tão saturada como insuficiente. Quem assim me fez, que me abone do que falta para que me cumpra!

Parada num “Stop” da minha estrada, tão alheada que não escuto as buzinas que se acumulam, se transformam em insultos e estão prestes a ser portas e batidas, um drama do mais foleiro que o povo se oferece. Nada disto poderia, ou mereceria, tirar-me do transe da minha paragem. Porque mover-me, sabe-me a cair, sem saber usar as asas que por castigo me serão retiradas ainda a meio da queda…

Continuo a vê-la, mas parando menos, falando menos. Ela também me vê e sabe da urgência que me habita, do estado de puro alarme que carrego. Quando me olha, olha um animal selvagem cercado de fogo, e parece que sorri... Nada, não devolve, pena ou empatia, nem sequer expectativa na minha grave tomada de decisão. Continua, tecendo meticulosamente os dias, onde reconheço mecânicamente de memória, uma simulação fraca da sua avassaladora beleza. Vejo agora do interior de uma bolha impiedosa que não me permite tocar-lhe, e a beleza que não se toca é veículo duma tremenda nostalgia, produz um espaço devorador forrado a sede. Esse espaço carrego-o comigo sempre no olhar, em dias em que nada crio, nada alimento, nem a cria moribunda vivendo só do olhar que me suplica o instinto primitivo de a salvar.  Sou toda um olhar que mata, que transforma mitologicamente em pedra, os caminhos, as palavras e os outros. E se eu fechar os olhos?

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Trazendo a lume


...porque não se trata necessáriamente de escrever, mas sim de trazer a lume, sob a forma que for, algo que veio a mim. Trazer a lume é trazer à luz ou então a queimar. Hoje a forma é a minha segunda pintura...






Não consigo escrever, de momento, ótima desculpa!, arranjo-se novas artimanhas para resgatar o artistico, o estético e o poético.

domingo, 5 de junho de 2011

Mais músicas enquanto não há letras...

Estas três queridas, produziram duas músicas em que as letras referem uma palavra que nos é muito familiar. Enquanto não tenho nada para dizer em portuguese ficam as letras delas. Gosto particularmente mais da segunda. Descobri-a há dias, numa daquelas rádios da net que tocam musicas baseadas no nosso gosto, a outra conheço há anos e foi através do CD respectivo. Na primeira a mulher é portuguesa, na segunda o sussuro pode ter um sotaque estrangeiro, mas eu prefiro acreditar que seja um susurro português de Portugal.
É triste quando uma poetisa nao tem nada para dizer e se põe a fazer post's desta natureza. Mas hoje até é dia de eleições,por isso, fica como apontamento patriótico, por exemplo.


quarta-feira, 1 de junho de 2011

sábado, 19 de março de 2011

A maior lua

Hoje,
ao cair da noite,
o meu brilho cresceu
Acontece,
nem sempre
o vulgar se sobrepõe
Hoje, fugimos
porque aqui,
se incuba a dor

Reflecte sobre mim.
Por vezes,
sei do infinito

Pergunta-me sobre ti
Por vezes sei

Por vezes, fico sem falar
e sigo, quase sem cuidado
Depois regresso,
soberana,
à vida que quer chamar-se vida

Já não percebo quando falas do que foi,
ou do que foste

Sobrevêm segredos,
imagens do que serias,
não vestisses os vícios,
os olhos baços...

Comecei,
por onde se começa a sentir o mundo de cor,
Comecei,
por saber do coração obcecado,
Passei,
por seguir quase sem cuidado.

Fugimos de onde se incuba a dor
Seguimos coroando a liberdade.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Uma história nova...

Encontrei a Clara, por um acaso vulgar em que se cruzam duas pessoas, conhecidas e desencontradas por muitos anos. Combinamos logo um encontro, sob o instinto curioso e ameno que sobrevem aos que se conheceram precocemente. Nas primeiras fases da vida, o destino encobre-se numa nevoa cerrada, convidando a ser-se docemente irreflectido, generosamente tudo e nada, sem remorços. (Não se é realmente irreflectido, é mais que toda a reflexão não chega a roçar o amargo).  Aí, transporta-se o brilho de quem nada possui que defina, que seja comparável, de quem nada tem senão ser e mesmo isso é esfumado, é abstrato. Acima de tudo, não se carregam verdades últimas, sobre si, sobre os outros e outras coisas. Quem eu conheci, neste estado contraditoriamente inteiro, suscita-me inevitavelmente, o desejo fiel de que a vida lhe seja suave e lhe conceda um carinho maternal, sobre a verdade que pude, no passado, conhecer. Este estado de ser, em cada um, se o toco, entranha-se, perene como um cheiro na minha memória. Ser assim, testemunha do autêntico, é um papel que assumo com solenidade, poeque se apresenta como uma dádiva sagrada, já que invoca e me arrebata ao equivalente que habita em mim.
Encontrar a Clara, foi também isto, que já de si é muito, mas foi mais. Ela surgiu, à minha sensibilidade precisa, mas que uma menos exacta podia facilmente apurar,  com um espírito que ninguém podia adivinhar, se apoderasse da presença apagada da Clarinha. Há algo que apenas uma mulher para lá dos 40 pode amestrar, um ser maior do que o corpo pode conter, algo de exuberante, algo que estravaza, e que não passa por reduzir a àrea coberta ou pretenciosamente estar. Passa pela beleza de quem passou pelos dias a conquistar-se e a conquistar para si o belo. Passa pela beleza de quem árdua e trabalhosamente amealhou  tão avolutado tesouro e o coloca todo na mesa mal chegas. Passa pela beleza de quem se liberta e se prende, sem que nada se perca, como quem não se conserva se imagina ou e se pretende. Passa pela beleza que parece que ela é feia mas tem um jeito, que parece que ela é linda e não é só do jeito dela, é uma beleza termeluzente, dançante, é a beleza. Clara... como foi que te puseste assim?
As surpresas sobre alguém reservam-se ao que fazem, conseguem, possuem, ao intricado das suas sortes, achados e azares. As surpresas, não surgem sobre aquilo que as pessoas são, ou melhor, naquilo que se tornam e se fazem. As malhas que as pessoas cozem são sempre feitas dos fios que têm. A fibra que agora tens, não é feita dos fios que foste... Como foi Clara que te puseste assim? Tinhas a amabilidade dos submissos e eras rodeada pelos que se alimentam de tal. Como foi Clara que não foste nisso consumida? Parece que foi, que um dia partiste, em busca de alguém que te abandonou, sem qualquer aviso, como é costume fazer aos que se dão sem medida, sem medir sequer que já não trazem nada para dar. Não se avisam os inexistentes, não se sentem, não se conhecem.
 E numa reacção óbvia, que não constituia humilhação porque em ti o orgulho não tinha pouso, perseguiste esse que emitia a única luz da tua vida. Claro que não sabias, que o sol eras tu, sempre foste tu... e como o és! Foste atrás dessa lua e aterraste, distante, desencontrada, num país estranho, num tudo estranho...  Num toque de estranheza, num choque de estrannheza, a submissão não sobrevive e para sobreviver revelaste uma paixão contida. Não mais contiveste e agora és toda paixão, vulcânica em arte e em vida. És rara, algo me diz que és a única a fugir do trilho de tão pesada herança, uma herança pretensamente inocente que te tinha tão boazinha e te mantinha, te continha... O que foste e o que agora és, é novo. Como se não fosse suficiente, ofereces agora ao mundo um precedente, rompeste um inquebrável ou será que só sofreste um milagre? Só eu vi? Só eu sei?...da complexidade que te trespassa. Que deça sobre muitos o que se deu em ti, ou o que te deste. (Pelo sim, pelo não, vou morar sobre a tua nuvem...)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Muito eu, muito outros.

Quando eu me apercebo, não é que apanho o tramadinho a conjecturar, a divagar, a nostalgiar (sim sim, nostalgiar, se não existia passa a existir), ou mais visualmente, a fazer-se de coitadinho, de cão abandonado, de perfeito Bambi recém-orfanizado (orfanizado - também passará a existir)! E às custas de quem? Do meu espírito desprevenido, que sem saber porquê, fica murcho, cinzento e arrastado....

Felizmente, eu apanhei estes dois a tempo, ao mesmo tempo que apanhava com o sol e o céu azul nos poros! (Este país pode ser um barco à deriva, apanhado num tufão... mas este azul, este sol, este calor outonal é pura redenção...).  Estava eu então, nesse estado privilegiado, quando vejo o coração, a exercer bulling do pior, sobre o meu espírito. 

O coração é mesmo assim, vai-se entretendo com coisinhas pequenas, só para passar o tempo, para se fazer útil. O resultado infelizmente, é um ruído de fundo, um enredo inútil, um espaço atafulhado. Como o Abu na caverna dos desejos, ele fascina-se por brilhos que parecem tesouros, negligenciando e pondo em causa o verdadeiro motivo para terem descido àquele buraco.

Nisto, lembro-me do "Riso de Deus", da "Divina Comédia " (cujo conteúdo nada tem a ver com este tema, apenas o título é para aqui chamado) , e de um poema da Santa Teresa "And laughter came from every brick in the street". Os seres humanos, quando experiênciam momentos de êxtase transcendental, surgem muitas vezes com esse conceito, do riso de Deus*.

Entretidos na teia entediante do coração, somos subitamente elevados, e de repente tudo surge completo, explicado, pleno. Sem que nada mude, tudo é bom, o mesmíssimo tudo passa a maravilhoso. Tudo é desfrutado, a chuva, os desconhecidos, os enredos... Neste estado o que parecia grave, sério e incontestável, provoca um riso... Assim, envoltos na plenitude de existir, sabemos que Deus ri, ri sempre e nós, às vezes, temos o doce doce previlégio de rir com ele...


*Deus = luz/alegria que permeia todas as coisas no estado de plenitude/transcendência


(...)
Love once said to me, "I know a song,
would you like to hear it?"

And laughter came from every brick in the street
and from every pore
in the sky.

After a night of prayer, He
changed my life when
He sang,

"Enjoy Me."

Santa Teresa

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Não vou nessa.

Não há candidato a Presidente da República, ou a 1º Ministro ou qualquer outro posto político, a quem não se exponham aventuras no campo da corrupção e fraude de natureza diversa, que levam o povo português a uma certa indignação. Mas assim que os resultados das eleições são conhecidos, todos os gravíssimos "factos" são devolvidos ao seu estado de existência irrelevante e ignorável, por acusados, acusadores e respectiva assistência. Os portugueses não só se silenciam, como votam sem dar a conhecer algum sinal de desconforto... Só que vendo bem, o que resta? Fazer como o 3º candidato e dizer... "Eu sou contra o sistema"... ?!?!?! ... Eu sou contra o sistema mas quero ser presidente da REPUBLICA. Eu sou contra o sistema mas ponham a vossa cruz no meu quadrado. Eu não conheço ninguém contra o sistema, pelo menos de forma útil, mas acho que essa pessoa, esse movimento, não estaria na televisão, num comício a anuncia-lo... Acho que contra o sistema é underground... Ou então, contra o sistema, é não se deixar inflamar quando tudo o que sabemos da politica em Portugal, vem sob um circo mediático criado pura e simplesmente para nos provocar uma profunda indignação... enquanto a notícia durar. Acho que contra o sistema, contra o que se instiga, é ficar em paz e ver o circo passar. E saber que nenhuma diferença virá nem pela romantizada revolta agressiva, nem pela agressividade mal reprimida com que esta gente política tenta manter o confortável estado das coisas. Este é aliás o ponto que mais importa, independentemente das palavras "mudança", "diferente", "novo" e todos os seus sinónimos que se usem, e se gritem espumando. Como dizia o outro, que as moscas mudem, isso tudo bem, mas que a m****, essa se mantenha a mesma!

Para mim há isto: estar em paz no meio do sistema, evitando os telejornais, porque são produzidos por pessoas que se especializam em provocar emoções que perturbam a minha normal digestão, e eu não consigo concentrar-me em degustar os alimentos, honrando o sacrificio das vidas no meu prato, e ao mesmo tempo bloquear essas tentativas... afinal eles são profissionais e eu não sou um holly man. E depois, talvez um dia, fazer parte da mudança quando a mudança tiver condições de se realizar, quando o ponto de saturação se alcançar... Ainda estamos longe disso, talvez a décadas disso, talvez na minha proxima existencia. Não sei, só quero deixar publicamente claro que não sou a favor, nem me deixo encher de sentimentos de ser contra, simplesmente.... não vou nessa, nem vou nesta, nem nestes, irei numa outra!

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A escolha e o encolhimento da alma...

Ofereci um livro a uma amiga, livro esse que gostava de poder ler por empréstimo, depois desta minha amiga o ter lido... Entretanto fiz anos e ela ofereceu-me o mesmo livro, sem se ter apercebido de nenhum aspecto do que acabo de referir. Como muitas mulheres, li o Comer Orar Amar, da Elizabeth Gilbert, onde a autora procura (em bom português) desanuviar, depois de se divorciar. Faz para isso uma viagem em que vai sendo resgatada por várias coisas que se podem amar nesta vida. A  leitura é fácil, não traz novidades mas tem alguma coisa de reconfortante. Veio o segundo livro, Comprometida, que além de ser um título que já dei a um texto meu, é mais do que nunca, o meu estado. Como poetisa que sou, não posso deixar de procurar o sentido, o significado, a missão mais profunda que esse estado comporta. Quais as suas implicações, em mim, em nós, nos outros, no mundo, no universo, no passado e no presente, no corpo e no espírito... Sim, eu procuro localizar-me, questionar-me, relativamente a todas estas variáveis. Parece complicado, mas para um poeta, isto é feito de olhos fechados, embrenhado numa amalgama de sentimentos que tomam nomes e vão formando um quadro, quadro esse cuja beleza indica se vai no sentido certo... é quase tudo intuição... Disfruto muito desta actividade em mim mesma, mas também procuro conhecer qual o "insight" de outros sobre estes assuntos, estas perguntas que transporto. Não encontrando almas de poeta que carreguem o mesmo enigma que eu ao virar da esquina, procuro-as ao virar das páginas. É então a recém-famosa autora que referi anteriormente, que vai, enquanto o livro me durar nas mãos, guiar-me nessa procura. Confesso que ainda só li meia dúzia de páginas ( 83/317), mas o que encontro no livro é a apresentação da sua motivação para não casar, a referência ao enraizamento de sentimentos apaixonados pelo futuro marido e um enquadramento histórico do casamento. Tudo coisas do senso comum, do romance comum, ou no caso da história, coisas que podemos pesquisar para conhecer, se tivermos interesse nisso... Eu aguardo por ler sobre a luz que ela há de ter feito sobre o compromisso, sobre o para sempre, tão imprescindível ao coração quanto insustentável à mente. No entanto queria partilhar um parágrafo e meio, onde ela descreve, de forma clara, uma problemática que me assalta e assaltou, em diversos aspectos da minha vida, e como penso não ser a única, vou reproduzi-la aqui. Porque há coisas que claramente explicadas e trazidas a consciência perdem muita da capacidade de nos transtornar e de nos retirar clareza. Aqui vai:


"(...) Igualmente preocupantes são as vezes em que efectivamente fazemos uma escolha, só para depois no sentirmos como se tivéssemos asassinado um aspecto do nosso ser, ao decidirmo-nos por uma única decisão concreta. Ao escolhermos a Porta Número Três, receamos ter eliminado um pedaço diferente - mas igualmente crucial - da nossa alma, que só se poderia ter manifestado se tivéssemos passado pela Porta Número Um ou pela Porta Número Dois.
O filosofo Odo Marquard assinalou uma correlação na língua alemã entre a palavra Zwei, que significa "dois" e a palavra Zweifel, que significa "dúvida" - sugerindo que dois de qualquer coisa traz automaticamente a possibilidade de incerteza às nossas vidas. Agora, imaginem uma vida em que, todos os dias, uma pessoa é confrontada, não com duas, nem mesmo com três, mas com dúzias de escolhas, e começarão a perceber por que razão o mundo moderno se tornou, mesmo com todas as suas vantagens, uma enorme máquina geradora de neuroses. Num mundo de possibilidades tão abundantes, muitos de nós ficamos simplesmente paralisados pela indecisão. Ou então fazemos a trajectória da nossa vida descarrilar vezes sem conta, voltando atrás para experimentar as portas que desprezámos da primeira vez, desesperados por acertar desta vez. Ou então tornamo-nos comparadores compulsivos - sempre a avaliar a nossa vida em relação à vida de outra pessoa, perguntando secretamente se deveríamos ter seguido o mesmo rumo que ela."

Da minha experiência pessoal sobre as escolhas, sei que através delas, aquilo que constitui o nosso centro, o que é genuíno em nós, permanece (houve alturas em tive um medo profundo que assim não fosse). Não me parece que seja errado fazer "descarrilar a trajectória" da vida voltando atrás para fazer outra opção, desde que o que o motiva seja uma profunda e nova certeza sobre quem somos e qual o caminho mais nosso.

Deixo-vos com uma singela pergunta... será legal fazer estas pequenas transcrições?