quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sobre escrever, mas mais sobre viver.

Para contrariar o chamado bloqueio do escritor, há que apelar à coragem do escritor. A coragem para expor as conversas que tem entre si e si mesmo, dispondo-se a dar-se ao despropósito de se expor sem beleza ou sem tocar alguém. A coragem de ser confundido com um miudo à procura de atenção usando uma série de palavras pretensiosas.

Hoje em dia, a facilidade com que qualquer pessoa pode atrair atenção, das mais variadas formas, é impressionante. Mas não me parece que a quantidade de pessoas que se podem atrair a uma foto, a um título, etc., seja a medida indicadora da qualidade do que se está a oferecer...

O que imediatamente atrai um grande número de pessoas, despertando nelas uma resposta quase automática de identificação, é conhecido de todos, é a base do jornalismo, é a base da fast-food, é a base de todos os vícios e de todas as obsessões. 

A qualidade do que se dá, nomeadamente pela escrita, penso que pode ser medida exactamente pela capacidade de interromper os automatismos em que nos entregamos diariamente, pela capacidade de fazer parar e eventualmente de fazer mudar...

Para que isto aconteça é necessário, precisamente, não se ser apenas o miúdo tímido a procura de se afirmar ou a rapariga insegura a procura de se recriar.
É preciso ter a alma acordada no quotidiano, é preciso sonhar-se em possuir tal liberdade e sobretudo sonhar-se partilha-la.

O que é a alma? Para mim, que não sou uma profunda estudiosa do assunto, é o ingrediente que nos torna capazes de responder a uma situação critica com altruísmo e criatividade. É o instrumento capaz de transformar o instinto de sobrevivência na arte de viver. É aquilo que nos falta nos dias em sentimos que há qualquer coisa indefinida que falta.

E se o escritor, não o que quer alguma atenção, nem o que quer sobreviver ou enriquecer pelas palavras, o escritor que quer ser uma gota no rio vivo e cristalino da mudança, se desencoraja porque "já foi tudo escrito" o antídoto está bem acessível também. É fácil perceber que a maioria das emoções que pairam na experiência humana são em segunda mão. Morrer, casar, amar,  ter um filho, começar ou acabar um projecto, decidir qualquer uma destas coisas, são situações para as quais existem uma série de protocolos informais sobre como reagir, o que sentir, um conjunto de reacções e emoções transmitidas nos livros, nos filmes e nos pares.

Escrever sobre algo novo é tão simples como permitir-se viver qualquer situação com a coragem e a humildade de a permitir ser única, pessoal e subjetiva. Mesmo que isso implique não ser tão exuberante ou estridente como só um postiço pode ser, mesmo que isso implique viver emoções devastadoras e revigorantes como só a verdade pode ser. 

Eu surpreendo-me muito nas coisas comuns, porque parto da não expectativa da não colagem. Procuro estabelecer antes de mais a simplicidade e depois deixo que nessa estrada entrem as emoções que livremente a quiserem percorrer. É assim que se pode relatar uma experiência sem a impôr, sem hiperbolizar, sem comparar. Ao tomar assim a experiência de forma livre, única e minha, posso oferecê-la para inspirar, para libertar. 




Sem comentários:

Enviar um comentário