quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Uma rua aconchegada


O sol é de Inverno, o calor inesperado. Uma senhora sobe as escadas ao ritmo que a idade abrandou, o cão segue dois degraus à frente e pára, igualmente cansado, ou para desfrutar do calor. A senhora acaricia o cão, na intimidade branca da escadaria da casa. O sol quente, a escada íngreme, o cão fiel e a senhora cansada. Parados. Eu passo, invadindo, camuflada de transeunte. Retenho este quadro, projectado na parede rosa. Sorvo o carinho que partilharam. Não sei é minha ou deles a paz e a alegria que se aconchegaram nesta rua.

domingo, 27 de novembro de 2011

O fogo fala


Não há nada que diga "Fica!" como o fogo, e ainda que nada diga, amarra. Porque lá fora, te aguarda o frio e aqui te guarda o calor? É mais do que isso, é primitivo... Ele não nasceu do fósforo, não pertence à lareira. O fogo nasceu pelo suor das pedras, conheceu os teus pés nus, pousados na terra. Enquanto aquece, hipnotiza-te o corpo, pois também tu és primitivo. Vai lançando lembranças de sobreviver, de proteção,  de carne, de caça. Muito antes do conforto, o fogo faz conversas sobre a vida.

Eu agradeço ouvindo, como se agradeçe a um ancião. Vou respondendo com o olhar, com a ancestralidade que vai sendo devolvida ao meu olhar. Numa invocação marcada por breves estalidos, enfeitada de estrelas ascendentes e dançada por labaredas encantadas. Conversando, queimando, vamos ambos, esmorecendo, companheiros aparentemente efémeros, secretamente eternos, intimamente ligados a um pacto ignorado.


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Mais uma vez

Corre assim tão pouco em mim, que quando mais posso, menos tenho?

Que quanto mais posso fazer-me, menos me tenho?

Corre tão pouco de mim em mim, que quando corro sonho, deliro e conspiro sobre estar parada? E quando por fim paro, adormeço, esqueço e flutuo daqui para ali, e mais nada... Mais nada?!

Há tantos nadas... Há o nada a olhar para o céu, todo meu, toda eu. E há o nada em que toco de tudo, toda ausentada.

Entre um e o outro, a distância entre o ser e o parecer...

Parecer-se com um medo, com um enrredo emprestado. "É mais fácil", é questionável, é sobretudo mais dócil. Daqui para ali, com a voz adaptada, muita voz para pouco dizer ou dizer um pouco demais, desde que já tenha sido dito.

Porque em ser, não há medo ou perder... e quando assim me tenho, vejo-me num mundo que me vê ausente. Perde-me, porque não me tem mão, porque não me tem sob o pé. Aqui, ao longe, é que sou o sol em rota errante, sou-me toda e dou-me consoante. Sorvo da vida o viver, ilumino no mundo o que essa vida quiser.

Sendo abrupta a diferença, onde encontra guarida a desculpa, a justificação de se ir roubando e amestrando o coração? Onde se esconde o delirio de rejeitar a vida que vem oferecida e vem de dentro, para pagar caro para só sobreviver? (Provavelmente na razão, a razão é bem capaz de ser trono de qualquer loucura). 

Conhecer a luz dos olhos é saborear essa diferença com a alma. O que a liga, o que a desliga.

Ligo-me, sou infinito, desligo-me, para caber onde não se cabe inteiro. Quem teme o inteiro, quem susurra o medo e o impinge?

(Eu.)
Como posso ser ambos e saber e permitir... e admitir. Ligar e desligar.

Admitir que sou eu.
Posso! Posso ser, saber, permitir e admitir. E devo! Para me levar, me retomar, como sou... mais esta vez!