quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Uma história nova...

Encontrei a Clara, por um acaso vulgar em que se cruzam duas pessoas, conhecidas e desencontradas por muitos anos. Combinamos logo um encontro, sob o instinto curioso e ameno que sobrevem aos que se conheceram precocemente. Nas primeiras fases da vida, o destino encobre-se numa nevoa cerrada, convidando a ser-se docemente irreflectido, generosamente tudo e nada, sem remorços. (Não se é realmente irreflectido, é mais que toda a reflexão não chega a roçar o amargo).  Aí, transporta-se o brilho de quem nada possui que defina, que seja comparável, de quem nada tem senão ser e mesmo isso é esfumado, é abstrato. Acima de tudo, não se carregam verdades últimas, sobre si, sobre os outros e outras coisas. Quem eu conheci, neste estado contraditoriamente inteiro, suscita-me inevitavelmente, o desejo fiel de que a vida lhe seja suave e lhe conceda um carinho maternal, sobre a verdade que pude, no passado, conhecer. Este estado de ser, em cada um, se o toco, entranha-se, perene como um cheiro na minha memória. Ser assim, testemunha do autêntico, é um papel que assumo com solenidade, poeque se apresenta como uma dádiva sagrada, já que invoca e me arrebata ao equivalente que habita em mim.
Encontrar a Clara, foi também isto, que já de si é muito, mas foi mais. Ela surgiu, à minha sensibilidade precisa, mas que uma menos exacta podia facilmente apurar,  com um espírito que ninguém podia adivinhar, se apoderasse da presença apagada da Clarinha. Há algo que apenas uma mulher para lá dos 40 pode amestrar, um ser maior do que o corpo pode conter, algo de exuberante, algo que estravaza, e que não passa por reduzir a àrea coberta ou pretenciosamente estar. Passa pela beleza de quem passou pelos dias a conquistar-se e a conquistar para si o belo. Passa pela beleza de quem árdua e trabalhosamente amealhou  tão avolutado tesouro e o coloca todo na mesa mal chegas. Passa pela beleza de quem se liberta e se prende, sem que nada se perca, como quem não se conserva se imagina ou e se pretende. Passa pela beleza que parece que ela é feia mas tem um jeito, que parece que ela é linda e não é só do jeito dela, é uma beleza termeluzente, dançante, é a beleza. Clara... como foi que te puseste assim?
As surpresas sobre alguém reservam-se ao que fazem, conseguem, possuem, ao intricado das suas sortes, achados e azares. As surpresas, não surgem sobre aquilo que as pessoas são, ou melhor, naquilo que se tornam e se fazem. As malhas que as pessoas cozem são sempre feitas dos fios que têm. A fibra que agora tens, não é feita dos fios que foste... Como foi Clara que te puseste assim? Tinhas a amabilidade dos submissos e eras rodeada pelos que se alimentam de tal. Como foi Clara que não foste nisso consumida? Parece que foi, que um dia partiste, em busca de alguém que te abandonou, sem qualquer aviso, como é costume fazer aos que se dão sem medida, sem medir sequer que já não trazem nada para dar. Não se avisam os inexistentes, não se sentem, não se conhecem.
 E numa reacção óbvia, que não constituia humilhação porque em ti o orgulho não tinha pouso, perseguiste esse que emitia a única luz da tua vida. Claro que não sabias, que o sol eras tu, sempre foste tu... e como o és! Foste atrás dessa lua e aterraste, distante, desencontrada, num país estranho, num tudo estranho...  Num toque de estranheza, num choque de estrannheza, a submissão não sobrevive e para sobreviver revelaste uma paixão contida. Não mais contiveste e agora és toda paixão, vulcânica em arte e em vida. És rara, algo me diz que és a única a fugir do trilho de tão pesada herança, uma herança pretensamente inocente que te tinha tão boazinha e te mantinha, te continha... O que foste e o que agora és, é novo. Como se não fosse suficiente, ofereces agora ao mundo um precedente, rompeste um inquebrável ou será que só sofreste um milagre? Só eu vi? Só eu sei?...da complexidade que te trespassa. Que deça sobre muitos o que se deu em ti, ou o que te deste. (Pelo sim, pelo não, vou morar sobre a tua nuvem...)

1 comentário:

  1. um primeiro parágrafo algo difícil (li ontem, desisti de continuar, hoje voltei a atacar)... uma ideia só tua que não passa, mas um terminus belo e imensamente poético. Gostei hipotenusamente!

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