quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Estações e paz

Com o frio, inegavelmente a apoderar-se dos dias, dia-a-dia, vem também uma sensação de aconchego introspectivo. A paz de me vestir mais, de me revestir bem de roupas escuras, onde quase desapareço. Ajudada pelo cabelo igualmente escuro, fica só o rosto, que imagino plácido, iluminado pela cor cinzenta do dia, clareada ao atravessar cortinas brancas de linho.

O tempo está mais frio, mesmo que tenhamos 30 graus ao sol até Novembro. Estas mudanças, despertam-me sempre o lado literário. Sou um escritor das estações, pudera!, a escrita nasceu em mim, no sentido literal e pragmático, à imposição de composições e poesias sobre a Primavera e o Outono. Se também foram sobre o Verão e o Inverno, disso já não me lembro, é bem possível... E sim, sou escritor, porque nem sempre me apetece ser "escritora" nem "poetisa" mas sim poeta.

O frio e o azul marinho, convidaram as palavras a despedirem-se da paz colorida, extrovertida, quente e surpreendentemente confortável para a pele desprotegida. Nessa, havia um sentido do humano como animal, o instinto de inteirar-se do mar, de sujar as unhas com terra, de respirar o mundo pelos poros. E entre tudo isso, acordar com os olhos feridos de luz, sair pela noite para durar, enfim, ser do mundo ao natural, com a mesma entrega de uma árvore, no fruto perfeito, nesses dias de calor denso.

Agora, recebo o que me cobre, me reserva e me separa. Tocada apenas pelo tecido, ao mundo dispenso só o olhar. Um mundo que passa a estar mais reduzido a mim, à memoria que dele faço, ao filme que passa na janela. Cubro tudo e ouço os sonos da minha máquina, o coração e o sangue morno, o respirar e o ar morno. Protejo a fraca combustão que sustenta os 37 graus, sensivelmente.

O combustível, parecem ser estas palavras sossegadas, "olha o frio, diz-lhe que é bem-vindo, que entre, mas não te esqueças, despede-te do que lhe dá lugar, também foi bom". O combustível, parece ser uma mão entrelaçada, e estas palavras sossegadas "ele está aqui, e caíram folhas nestas mãos, chuva, neve, sol e flores nestas mãos entrelaçadas".

Sobrevém sempre a paz, de ser um poeta das estações, de provavelmente ter palavras sempre que elas mudam. Ou então, não ter palavras, mas ter a pele a acordar com o frio incisivo, ou então a dar-lhe o sono do calor impregnado.

Sobrevém ter palavras ou não ter, mas estabelecer também com a sua ausência, um profundo pacto de paz.

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