terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A escolha e o encolhimento da alma...

Ofereci um livro a uma amiga, livro esse que gostava de poder ler por empréstimo, depois desta minha amiga o ter lido... Entretanto fiz anos e ela ofereceu-me o mesmo livro, sem se ter apercebido de nenhum aspecto do que acabo de referir. Como muitas mulheres, li o Comer Orar Amar, da Elizabeth Gilbert, onde a autora procura (em bom português) desanuviar, depois de se divorciar. Faz para isso uma viagem em que vai sendo resgatada por várias coisas que se podem amar nesta vida. A  leitura é fácil, não traz novidades mas tem alguma coisa de reconfortante. Veio o segundo livro, Comprometida, que além de ser um título que já dei a um texto meu, é mais do que nunca, o meu estado. Como poetisa que sou, não posso deixar de procurar o sentido, o significado, a missão mais profunda que esse estado comporta. Quais as suas implicações, em mim, em nós, nos outros, no mundo, no universo, no passado e no presente, no corpo e no espírito... Sim, eu procuro localizar-me, questionar-me, relativamente a todas estas variáveis. Parece complicado, mas para um poeta, isto é feito de olhos fechados, embrenhado numa amalgama de sentimentos que tomam nomes e vão formando um quadro, quadro esse cuja beleza indica se vai no sentido certo... é quase tudo intuição... Disfruto muito desta actividade em mim mesma, mas também procuro conhecer qual o "insight" de outros sobre estes assuntos, estas perguntas que transporto. Não encontrando almas de poeta que carreguem o mesmo enigma que eu ao virar da esquina, procuro-as ao virar das páginas. É então a recém-famosa autora que referi anteriormente, que vai, enquanto o livro me durar nas mãos, guiar-me nessa procura. Confesso que ainda só li meia dúzia de páginas ( 83/317), mas o que encontro no livro é a apresentação da sua motivação para não casar, a referência ao enraizamento de sentimentos apaixonados pelo futuro marido e um enquadramento histórico do casamento. Tudo coisas do senso comum, do romance comum, ou no caso da história, coisas que podemos pesquisar para conhecer, se tivermos interesse nisso... Eu aguardo por ler sobre a luz que ela há de ter feito sobre o compromisso, sobre o para sempre, tão imprescindível ao coração quanto insustentável à mente. No entanto queria partilhar um parágrafo e meio, onde ela descreve, de forma clara, uma problemática que me assalta e assaltou, em diversos aspectos da minha vida, e como penso não ser a única, vou reproduzi-la aqui. Porque há coisas que claramente explicadas e trazidas a consciência perdem muita da capacidade de nos transtornar e de nos retirar clareza. Aqui vai:


"(...) Igualmente preocupantes são as vezes em que efectivamente fazemos uma escolha, só para depois no sentirmos como se tivéssemos asassinado um aspecto do nosso ser, ao decidirmo-nos por uma única decisão concreta. Ao escolhermos a Porta Número Três, receamos ter eliminado um pedaço diferente - mas igualmente crucial - da nossa alma, que só se poderia ter manifestado se tivéssemos passado pela Porta Número Um ou pela Porta Número Dois.
O filosofo Odo Marquard assinalou uma correlação na língua alemã entre a palavra Zwei, que significa "dois" e a palavra Zweifel, que significa "dúvida" - sugerindo que dois de qualquer coisa traz automaticamente a possibilidade de incerteza às nossas vidas. Agora, imaginem uma vida em que, todos os dias, uma pessoa é confrontada, não com duas, nem mesmo com três, mas com dúzias de escolhas, e começarão a perceber por que razão o mundo moderno se tornou, mesmo com todas as suas vantagens, uma enorme máquina geradora de neuroses. Num mundo de possibilidades tão abundantes, muitos de nós ficamos simplesmente paralisados pela indecisão. Ou então fazemos a trajectória da nossa vida descarrilar vezes sem conta, voltando atrás para experimentar as portas que desprezámos da primeira vez, desesperados por acertar desta vez. Ou então tornamo-nos comparadores compulsivos - sempre a avaliar a nossa vida em relação à vida de outra pessoa, perguntando secretamente se deveríamos ter seguido o mesmo rumo que ela."

Da minha experiência pessoal sobre as escolhas, sei que através delas, aquilo que constitui o nosso centro, o que é genuíno em nós, permanece (houve alturas em tive um medo profundo que assim não fosse). Não me parece que seja errado fazer "descarrilar a trajectória" da vida voltando atrás para fazer outra opção, desde que o que o motiva seja uma profunda e nova certeza sobre quem somos e qual o caminho mais nosso.

Deixo-vos com uma singela pergunta... será legal fazer estas pequenas transcrições?

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